22/03/07

Utópica...?




Por vezes chamam-me utópica e já tenho ouvido este termo tantas vezes, a qualificar-me, que dou comigo a pensar.

Detesto hipocrisias, falsidades, cinismos e jamais irei dizer que alguns eurozitos ou a minha moradia, singela mas adorável, não me fazem falta. Faço muito mais, desta curta viagem, do que escravizar-me para poder ter algo muito mais palpável. É claro que cheguei a um nível em que me sinto “amparada” (e sempre á custa do meu esforço e do meu maior cúmplice) mas não é do palpável que quero falar até porque isso não nos traz qualquer ideia utópica.

Eu ainda gostava de descobrir a verdadeira origem dos pronomes possessivos que qualificam toda e qualquer palavra relacionada com matéria palpável:

O MEU carro…? A MINHA casa…?

Pior ainda: O MEU namorado…? A MINHA namorada…? (ok agora usa-se: dama) O MEU marido…? A MINHA mulher…? (se preferirem: esposa)

Não consigo entender o porquê destas afirmações, ditas correctas, porque a meu ver, ou entender, estão completamente erradas.

Se alguma coisa temos, se algo possuímos, não estará de todo no mundo físico. Ora vejamos:

A MINHA casa…? Não será ela a minha última morada.

O MEU carro…? Num futuro mais próximo terei outro (lá estou eu nos possessivos: CONDUZIREI outro)

O MEU namorado…? O MEU marido…? (o mesmo se aplica ás namoradas e mulheres – esposas). Que me perdoem os pedagogos, mas nada está mais errado do que esta afirmação (bem… assim a pensar até descubro coisas muito erradas só não sei se mais ou se menos) altero para: que afirmação tão errada (ou será errónea?)

E eu, que tenho um relacionamento de cerca de 2 décadas, consigo perceber que a pessoa que partilha comigo esse mesmo caminho NÃO É MEU…. Assim como ele entende que NÃO SOU DELE… estaremos lado a lado, caminharemos pela mesma estrada, subiremos as mesmas montanhas, mas sempre porque existe algo que, sendo verdadeiramente nosso, nos faz querer estar junto do outro. Porque o que mais feliz nos faz não se compra… está “dentro” de nós e dá-se sem limitações, sem restrições.

E se algo há que eu posso dizer, sem qualquer receio, que é meu está no universo sensorial.

Algo que poderíamos entender como egoísta porque, por mais palavras ou expressões que consigamos usar, nunca conseguiremos transmitir (ou dar a entender) o verdadeiro e real parecer do que sentimos.

Ainda que tudo o que dizem ser MEU (a casa, o carro, o marido… tchiii qu’isto mais parece uma letra de canção pimba) deixe de o ser (e se deixou de o ser é porque realmente nunca o foi) ficará sempre, sempre, o que considero o nosso verdadeiro tesouro: as sensações, as vivências, as lembranças…

E muitas vezes penso que estou no filme errado (o tal mundo ao contrário) em que muitos de nós apenas se limitam a olhar para o próprio umbigo. Em que ainda se ouvem afirmações como.”A MINHA namorada fazer isso? Ai dela!!!” ou algo do género. Em que estaremos a pensar quando afirmamos tal coisa?

E porque alguém já mo disse, e acho magnífico, a melhor forma de TER alguém é tendo a noção de que não a POSSUÍMOS.

E sim, a mais bela flor não é a que está, cuidadosamente, exposta num recipiente vistoso mas sim a que dificilmente enxergamos no meio da natureza… aquela que não ousamos retirar, apanhar, e apenas fica a imagem perpetuada na nossa mente porque é que fica o que é, verdadeiramente, NOSSO





4 comentários:

Anónimo disse...

Olá Amanda. Posso subscrever? Entendo, partilho perfeitamente as tuas palavras.Em todo o percurso surgem sinais, descobertas. Muitas vezes deixamos escapar. Há que reformular mentalidades, treinar a vista! Bj

Luis Carlos disse...

Olá Amanda,

Estou de acordo contigo.

Será uma grande mudança de mentalidade, não ao nível da sociedade directamente, tipo com decreto-lei, mas um nível individual e depois indirectamente, a sociedade.

Nas relações humanas deixarmos de dizer que "és minha" "sou teu", e passarmos a dizer "és a pessoa com quem eu partilho a vida" "eu sou a pessoa com quem tu partilhas a vida".

Sobre as coisas, podemos continuar a dizer "meu" "minha", mas tirando o significado de possessão, para passar a ter um significado de administração, por que tudo é de todos, nós como seres individuais administramos uma parte que é de todos.

Podem-me chamar utópico, mas tudo o que alcançamos como sociedade humana e como humanos, passou pela fase da utopia.

Até já,
Luís Carlos

Miguel Fonseca disse...

Olá Amanda.

Comentar o texto é difícil porque já disseste tudo e houve já quem assinasse por baixo.

Mas a verdade é que temos esse terrível vício de considerar nosso pessoas (porque o material mesmo acaba sempre por ser temporário e substituível) que nunca são, ou serão nossas, mas em relação às quais se calhar queremos ser delas.

No fundo acho que temos de deixar as pessoas serem livres, só assim conseguiremos tê-las e dar-nos na totalidade por breve, mas sempre magníficos, momentos. Sim, porque são esses os que realmente ficam para sempre.

Beijo

João C. Santos disse...

Olá Amanda boa noite,

devo dizer que ao começar a ler o seu texto me senti perdido em pensamentos e sensações, tentando entrar nessa visão que as suas palavras pretendem recriar.

Visão turva que muito bem me soube desvendar ao continuar a leitura, penso que as maior parte das pessoas não sabem, não querem ter uma minima sensação de realidade, o facto de dizermos que isto ou aquilo, ou aquela pessoa nos pertence não passa de uma recriação bruta e imaginada de um fim anunciado.

Ou seja, vivemos deslocados numa certa utopia universal...