14/11/06

Na Lisboa Que Conheci



havia “leitarias” como ainda diz a minha avó. As torradas eram acompanhadas de “quartos-de-Vigor”, que ainda hoje vejo mas, na sua maior parte, apenas nos hipermercados. Havia senhoras de bata branca apregoando as “bolas de berlim” quentinhas com uma cesta grande tapada por um pano impecavelmente branco que, quando fazíamos sinal, ao levantá-lo deixava sair um aroma deliciosamente doce que só a minha mente consegue descrever. Eram tempos em que as crianças não tinham o problema da obesidade e, por isso mesmo, sempre que aguardava junto de uma paragem de transportes públicos, num bairro já “desmantelado” que deu lugar a uma via rápida, a minha avó insistia para que eu comesse uma bola e eu ficava sempre indecisa entre “ela” e os pasteis de nata (que alguns chamam de belém mas que as papilas ainda se recordam que eram bem mais agradáveis do que os existentes) e, por isso mesmo, quase sempre acabava por comprar uma bola e um pastel de nata emboar nem sempre os conseguisse comer de imediato. Também me recordo que a acompanhar as ditas senhoras dos bolos (não sei porquê mas só me recordo de ver senhoras) havia também os senhores que vendiam aqueles caramelos caseiros, enrolados em forma de chapéu chuva fechado, que dava um trabalhão para retirar o papel que os protegia do exterior e da nossa gula que nesse tempo era bem saudável. Lembro-me de levar uma moeda de 25 escudos, de comprar a bola, mais tarde apaixonei-me pelos palmiers recheados, os ditos caramelos e ainda podia comprar uns quantos flocos de neve com os quais ia adocicando as bocas.

Mas quero mesmo é recordar o ambiente das leitarias. Em como, de um simples lanche, se faziam momentos de agradáveis convívios em que se perguntava pelo filho do Sr. João do Talho que tinha emigrado, se a vida lhe era madrasta, ou pelo nascimento do novo rebento, a neta da Dª Rosa da retrosaria e tantos, tantos outros temas que podiam parecer banais mas que nos faziam sentir que pertencíamos a uma grande família.

Ainda hoje recordo as mesas e cadeiras, bem pesadas e frias de “ferro”. As mesas costumavam ter três pés que se uniam por um círculo, logo por baixo do tampo, que era aproveitado para pousar as malas das senhoras e fazíamos cá um barulhão com as cadeiras, devido ao peso tínhamos de arrastá-las ao invés de as levantar.

Para pedir um chá bastava isso mesmo. Não havia escolha de sabores, era chá preto que, na sua maior parte, ainda era medido á colher-de-chá para dentro do bule de água quente e ficávamos á espera de ver as folhas secas a abrir e repousar no seu fundo.

Os iogurtes também eram da Vigor. A embalagem era bem quadrada, não dava jeito nenhum para as mãos pequenas das crianças agarrá-los e tinham uma película fina de alumínio que teimava em ser retirada sempre aos bocados. Eram quase sempre de morango e os adultos ainda costumavam adicionar-lhes açúcar, muitas das vezes amarelo o que lhe ocultava o sabor da fruta para dar lugar ao sabor do característico açúcar e, talvez por isso, só me lembro de comer iogurte na leitaria uma única vez. De não gostar do sabor demasiado doce de tal combinação e de estar atenta aos bebés que se iniciavam nos respectivos derivados de leite e de pensar em como, coitadinhos, tinham de aguentar aquele doce todo.

O leite para os “galões”, que vinham sempre a escaldar e que muitos tive tendência em entornar devido aquela colher “enorme” que imergia do copo de vidro muito grosso, era entregue, pela leiteira, durante a madrugada em que ela substituía as garrafas vazias, que deixávamos na soleira da porta, por igual género e número delas bem cheias do liquido que, na altura, deixava o vidro completamente branco quando ficavam vazias.

O café, bem o café não era café, era uma espécie de mistura torrada em que se colocavam umas quantas colheres-de-sopa na cafeteira, convinha ser grande, já com água previamente fervida, com extremo cuidado para não derramar pois a mistura logo subia e sujava o fogão todo. Ficávamos a aguardar que as “borras” descessem até ao fundo enquanto íamos salivando com a intensidade de tal aroma. Só mais tarde pude provar o “café”, era de suave e impregnante sabor. Perdoem-me se não consigo descrever com palavras mas apenas com a reacção dos meus órgãos sensoriais… mmm… já salivo!

Até consigo ter saudades das “carcaças” com “manteiga Planta” (que de manteiga não tinha, nem tem nada mas que nos sabia divinamente acompanhadas pelo tal “café”) ou ainda do “filete afriambrado” que teimávamos em chamar de “fiambre”, pelo qual eu não morria de amores e preferia substituir pela “mortadela”. Agora o que eu gostava mesmo, mesmo, de colocar nas carcaças cheirosas era o doce de tomate que a minha tia fazia e, á falta de pão, ia muito bem sozinho invadindo as papilas gustativas que logo se “enjoavam” de tal iguaria (mas era só por umas horas).

Hoje deu-me para isto, talvez porque o dia acordou com um manto branco que me fez lembrar do pano que, religiosamente, cobria o cesto grande de bolos ou, até mesmo, do branco do interior das leitarias…

4 comentários:

Anónimo disse...

Enah, tanta recordação, e recordações tão doces.
Bjs

Morgana disse...

beijo nostálgico.. :)

mokomaori disse...

muito giro...:)...tras recordaçoes de facto...

beijos, tudo de bom.

Carla disse...

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......d88888bd888b.
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...........~;~~\~..... * Para te deixar um beijo
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..........|___|.|............ e desejo bom fim de semana!!!!
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«`“•.¸.♥ Nadir ♥ ¸.•“´»
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