31/05/06

Amo-te "Vó"



Queria Tanto

“Pegar-te a mão…”

“será assim tão difícil de concretizar?”, li...

Com grande mágoa, respondo que sim

Porque pegar-lhe na mão, como quando eu era criança, e caminhar, caminhar até não poder mais das pernas, já não será possível…

Como ela adorava!

As pernas já não deixam.

Os vários problemas de coluna, já não deixam.

E agora, convenço-me, que a idade já não deixa!

Do alto dos seus 74 anos impera a sabedoria da mulher que, aos trinta e poucos anos, decidiu pegar nos trapos, levar os dois filhos pela mão e fugir do inimigo que partilhava a sua cama e que, diariamente e insistentemente, a mal tratava incluindo quando esperava o fruto de ambos, pois de amor só se fosse dela.

Desses mesmos 74 anos há a lucidez de que o cérebro já lhe prega as partidas que o corpo mais cedo começou a pregar. Há o olhar para os bisnetos com os mesmos olhos com que olhou para a neta. Há a preocupação em vê-los felizes.

E eu, como neta, já não consigo sorrir plenamente…

A vida foi-lhe madrasta, como a muitas mulheres da mesma geração

Houve toda uma luta e continua a haver

Quando olho e vejo que os passos são mais calmos, sem relógio para reger o tempo, e tempo? Mas que tempo? O compasso é feito a seu próprio passo…

Não se fecha em casa e teima em rumar para o centro da capital. Mas a viagem a pé, foi substituída por um qualquer lugar nos autocarros da Carris.

Não gosta de andar de metro. Não no de Lisboa. O de Paris não a amedrontava, nem o facto de não saber ler nem escrever.

O maior remorso? Não conseguir "unir" as letras, que conhecia (e ainda conhece) de cor, formando as tão cobiçadas palavras.

Inscreveu-se no curso de alfabetização “cedido” pela Câmara Municipal de Lisboa. Ainda assim, não conseguiria escrever as suas memórias.

Certo dia confessou-me que as queria muito transcrever para o papel.

Continuo a olhar para ela como a avó (mãe) que me deu a mão, quando me viu tão frágil, e me levou para terras, já dantes pisadas, da capital do amor…

Mas sinto, deveras, a minha impotência contra o tempo… o tempo que lhe rói os ossos… que lhe come as ideias… que lhe leva a alegria de viver e lhe dá, em troca, as rugas da alma os temores dos dias cada vez mais longos que começam a sobrar para as tarefas que tem a fazer…

Sim! Queria muito pegar-lhe na mão e não ouvir queixas de dores e desconfortos causados pelas muitas primaveras por que passou. Queria ouvir as bocas que “atirava” ligeira e alegremente. Queria vê-la a sorrir e a pregar as suas, tão célebres, partidas! Olha-la com os mesmos olhos de criança e vê-la como os meus filhos a vêem… da mesma forma que eu a vi quando a idade não decifrava a dor que a alma escondia…

Queria tanto pegar-te na mão… e dizer:

Amo-te “vó”!

9 comentários:

Night disse...

Engoli em seco, compreendi a tua magoa, o tempo passa, as coisas mudam, mas é a tua avó, a idade pesa... tb a minha já não tem a força de outrora, tb ela passou por dificuldades familiares, muitas dificuldades, diz ela que apesar de tudo nunca abandonou os filhos, nunca teve coragem de os abandonar de os dar, mulher de garra, de força... hoje é uma mulher cansada muito por culpa dos problemas de ossos mas nao deixa de ter um sorriso no olhar, beijinhos*

Anónimo disse...

Ora viva Cara Amanda...

Não se aflija, esteja descansada, desta feita o shakermaker não vai desatar a desatinar.
Até porque, ainda tenho a sorte de ter avós e este texto, em certa medida, tem muito significado para mim.
Uma das minhas poucas virtudes, é passar tempo qualitativo e afectivo sempre que estou com os meus avós porque afinal, contínuo a ser o menino das vóvós. E ainda bem, é algo que nos faz felizes.

Pronto, está a ver, de quando em vez também sou assim para o sentimental. Mas não muito, só para quem mereçe, tal e qual os meus avós.

Óptimo texto, aliás, só podia.

Um abraço...
SHAKERMAKER

Aragana disse...

Finalmente consigo vir aqui!
Adorei o texto!
Beijinhos

Anónimo disse...

Amigos dos meus amigos, meus amigos são :)

Tens cartas na manga?

Isa e Luis disse...

Olá menina,

Eu perdi a minha há pouco tempo. Era a minha âncora!

Linda dedicatoria!

jinhos muitos

Isa

Anónimo disse...

Arrepiei-me a ler...bj

Anónimo disse...

Olá Amanda, Lindo blog para recordar tanta vida dos nossos avós.
Mas eu tenho algo mais a recordar dos meus avós, mais do que avós foram meus pais tambem. 1 abraço amiga Amanda. Ernesto Pires

lena disse...

seca-me a garganta, dos olhos caiem lagrimas , eu sou piegas e sentimental demais doce Amanda

os meus avós já partiram , o meu pai também, e ainda novo, essa era a mão que queria segurar e que tanta falta me faz

vai segura a da tua avó, segreda-lhe ao ouvido esse "amo-te"
consigo sentir-te no que escreves e adoro-te por seres assim, pelos momentos que partilhas

abraço-te com ternura e um beijo que é meu, menina linda

lena

Carla disse...

Fizeste com que duas lágrimas de saudade rolassem pelo meu rosto...
beijo e boa semana